Bem-vindo, caro leitor! Este é um blog de notícias experimental, organizado por seis alunos do curso de jornalismo da UFES, 2º período. Neste local abordaremos temas relativos à população inserida à margem da sociedade.

Um canal em que todos podem se expressar abertamente, de forma igualitária e RESPEITOSA. Lembre-se: gritar é se expressar repentinamente, expondo as dores e as angústias. Esteja livre para compartilhar o seu grito.




quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cremos no poder do indivíduo em superar suas próprias fraquezas" diz coordenador de projeto social


O entrevistado desta semana do blog OO Grito é o vice-presidente do Lar Batista Albertine Meador, Fernando Reis. Esse projeto acolhe crianças, adolescentes e jovens do sexo feminino em situação de risco social. Alem desse projeto, há outro em planejamento, o Projeto 19, que tem o objetivo de promover a prevenção ao risco social, nas comunidades em que se verifica o alto índice de desvio de crianças e adolescentes destes riscos.


OO Grito:  O que é e em que se baseia o projeto?
Fernando Reis: Nossa área geográfica de atuação é o município de Serra. De fato, o projeto não está voltado exclusivamente ao tratamento dos jovens usuários de drogas. Na verdade, atuamos acolhendo crianças, adolescentes e jovens em situação de risco social. Atualmente, o risco social está intrinsecamente ligado ao tráfico e/ou uso de drogas ilícitas ou lícitas, não somente no município; é uma realidade nacional.
No que se refere ao tratamento de residentes que estejam enfrentando o problema das drogas, oferecemos tratamento médico, psicológico, espiritual e conforto material, a fim de que possam se livrar do vício. Entendemos sempre o ser humano em sua plenitude, um conjunto matéria-alma- espírito (nem sempre nesta ordem, valha-me Marx!)
 
OO Grito:      Quando e como surgiu?
Reis: Completamos 60 anos de atuação ininterrupta em setembro de 2009. A instituição foi criada no âmbito da ação social cristã da Igreja Batista de Vitória, para atender uma comunidade carente em Vila Velha, nos idos de 1949, quando as necessidades eram outras. Um grupo de senhoras da igreja resolveu adotar uma comunidade afastada que carecia de cuidados básicos.

OO Grito:      Quem são os beneficiados?
Reis: Atualmente são 24 crianças e adolescentes entre 0-18 anos incompletos. Além delas, cerca de 50  outras pessoas adultas que atendemos no programa de reintegração familiar.

OO Grito:  Quem são os coordenadores?
Reis: Temos como presidente o Pastor Abel Scabello, 57 anos de idade e membro do conselho do Lar desde 2003. Eu sirvo como vice-presidente desde 2008 e estou no conselho desde 2004. Somos um total de 10 conselheiros, todos voluntários.


Adotamos a profissionalização de nossos serviços-fim. Para isso, desde 2006 temos uma equipe técnica full time e paga com os recursos da própria instituição. Nossa coordenadora geral é a Assistente Social Karla Mendes. Temos ainda na área de psicologia a Psicóloga Roberta, e á frente da área de assistência social, a Assistente Social Cíntia Lovati.


Contamos com uma área administrativa e de apoio, além das profissionais de atendimento pedagógico, de atenção intensiva, educadores e parcerias na área da assistência médica em geral. Porém, acolhemos com carinho e incentivamos o trabalho voluntário das dezenas de pessoas que se dispõem a cooperar conosco nas mais diversas áreas, em especial à atenção individualizada às menores residentes.

OO Grito:      Como o projeto se mantém?
Reis: Somos um dos projetos subsidiados pelo Estado, representado aqui pela Prefeitura Municipal da Serra. Hoje, cerca de 75% de nossos recursos financeiros para atendimento básico às internas vem da PMS através de sua Secretaria de Promoção Social. Além disso, recebemos doações econômicas vindas de parceiros como o Mesa Brasil, do SESI (alimentos). Algumas empresas patrocinam ações pontuais e/ou contínuas. Também contamos com igrejas cristãs que colaboram mensalmente conosco, seja através de doações de bens, seja contribuição financeira.

Finalmente, captamos recursos através de projetos que fazemos com fins específicos junto a patrocinadores como bancos, empresas estatais, e outras do setor privado.


Como instituição do terceiro setor, temos todos os certificados da área, registros nos órgãos de controle, e toda contabilidade em dia. O Ministério Público é nosso interlocutor com freqüência.
 
OO Grito:      Por que ajudar essas pessoas?
Reis: A vocação da instituição, desde sua nascença, tem sido “investir em vidas”. Cremos que todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Cremos no poder do indivíduo em superar suas próprias fraquezas (circunstanciais ou não). Temos visto, ao longo de anos, a superação do indivíduo a dificuldades mais diversas.


Sabemos que as drogas atuam no mais difícil território para recuperar, o cérebro, o sistema nervoso como um todo. Ao mesmo tempo, sabemos por experiência que se tratarmos o indivíduo com a estratégia ideal, com os cuidados direcionados, este sujeito poderá se recuperar e tornar-se cidadão com todos os direitos e deveres, útil à sociedade, protagonista de si mesmo, testemunha de que é possível ir adiante mesmo tendo conhecido o inferno.


OO Grito:      Você acha que o poder público é omisso em relação aos dependentes químicos?
Reis: Não. Existem ações contínuas em relação ao problema, patrocinadas e/ou incentivadas pelo Estado. O que ocorre é que a velocidade do Estado, ou do “poder público”, deixa a desejar em face das urgentes demandas deste público ‘dependente químico’. A velocidade que menciono é em relação a tudo: pesquisa, evolução, rede de atendimento, atividades de prevenção, processos licitatórios, percepção do custo invisível que está vinculado à utilização da rede de saúde pública de maneira intensiva e inadequada etc.

Neste contexto, entram as ONGs e OSCIPs, cujo trabalho deveria proporcionar tal velocidade em parceria (e nunca em substituição) ao ‘poder público’. Acredito que esta dita omissão é enxergada pela sociedade como um espelho de si mesma: seria ótimo que o Estado pudesse substituir a sociedade (conjunto de nós todos) na prevenção e cuidado que o problema apresenta e requer. Isso é mito: jamais o Estado conseguirá substituir a própria sociedade na resolução das questões vinculadas ao uso – e abuso - de drogas lícitas/ilícitas.


Um ponto importante a refletir é que os agentes estatais (representantes do Estado), via de regra, devem se dedicar ao movimento político em meio a todos os trabalhos demandados pelos cidadãos. Tal movimento traz consigo o natural interesse deste agente, que na maioria das vezes tem seu horizonte nos próximos 4 anos. As atividades das quais estamos falando, não podem (não deveriam) sofrer solução de continuidade mesmo nas políticas e diretrizes de atendimento.


Muitas vezes, isto também está à mercê do interesse temporal vinculado ao agente político. É errado imaginar que somente o público-alvo sofre com esta realidade: todos, como sociedade, sofremos, direta ou indiretamente, as conseqüências do sistema.

OO Grito:      Quais as dificuldades encontradas pelo projeto?
Reis: Dificuldades vinculadas ao apoio da rede de atendimento são as mais sérias, no contexto da efetiva prestação de serviços que fazemos. Na área de recursos financeiros, a dependência ainda muito grande do Estado, é sempre – em nossa avaliação – um risco e temos trabalhado para diminuir esta dependência.

OO Grito:      O projeto recebe apoio da comunidade?
Reis: Sim, somos constantemente apoiados pela comunidade, temos uma relação de cooperação com nossos vizinhos, somos gratos a isso.
  
OO Grito:  Como o jovem é inserido no projeto?
Reis: Todas as internas são encaminhadas pela Justiça através das Varas da Infância e Juventude do município. Quando é o caso de dependente químico, oferecemos o tratamento.
 
OO Grito:  Como se dá a inserção do jovem na sociedade?
Reis: Tratamos as residentes da forma mais normal possível, todas tendo acesso a escola, vida social, educação, acompanhamento psicológico, médico etc. A equipe está sempre atenta a situações individuais e estamos preparados para qualquer necessidade especial que possam requerer. De acordo com a avaliação individual, são encaminhadas para atividades sociais dentro de seu espectro atual de vivência.

OO Grito:  Qual a situação psicológica do jovem quando entra e quando sai do projeto?
Reis: Varia muito, mas em geral quando chegam, as adolescentes estão assustadas, feridas, retraídas, algumas revoltadas e rebeldes. Doentes da alma, com a motivação destruída, ‘duvidando do mundo’. A saída do projeto geralmente está condicionada ao retorno à própria família progenitora, ou à adoção.


Na maioria das vezes temos tempo de tratar a pessoa, e quando é este o caso, podemos afirmar que reconstruímos sua atitude em relação ao mundo. Uma atitude positiva e de protagonismo em relação a si mesma. Um bom recomeço. Porém, nem sempre é assim, e temos casos de recaída ou casos em que o futuro da egressa não está assegurado.
 
OO Grito:  Conte-nos alguns casos interessantes de pessoas ajudadas pelo projeto
Reis: Recentemente, recebemos a visita de uma egressa que esteve conosco por 3 anos. Ao final de sua internação foi aprovada para um curso superior em Universidade Pública (oferecemos, em parceria com uma Instituição de ensino, o chamado “cursinho”). Esta egressa hoje é professora e constituiu família.

Outro caso foi de uma egressa, para a qual conseguimos um emprego compatível com suas habilidades, pouco antes de ela deixar a instituição. Passados uns 6 meses, ela esteve conosco novamente, para contar as novidades: saiu do emprego, juntou-se a um rapaz motoboy, está grávida e “feliz”.


Para 3 irmãs que chegaram ainda muito jovens, conseguimos tramitar uma adoção internacional para todas juntas; estão na Itália e gozam de saúde e paz, se correspondendo conosco periodicamente, com a participação dos pais adotivos.


A lição é clara: o que farão de suas vidas, não sabemos, não podemos ter certeza. Buscamos oferecer a todas elas uma visão clara de que é possível fazer diferente, existem outros caminhos e caberá a elas a escolha.
 
OO Grito:  Qual sua posição sobre a legalização das drogas?
Reis: Por principio, sou contra a legalização das drogas. E vou além: as drogas hoje lícitas deveriam ser muito mais fiscalizadas, porque são porta de entrada para o vício evolutivo até as drogas mais pesadas e destrutivas. Confiar apenas na ‘vontade individual’ do ser humano é escolher ser inocente, é desconhecer a força econômica dos cartéis da droga (bebidas alcoólicas incluídas).

Um programa amplo de educação que jamais terminasse, voltado a todas as populações jovens (e não somente às camadas sociais ditas ‘menos favorecidas’), educando-as em relação ao consumo de drogas e seus efeitos, poderia surtir efeito em uma geração, ou seja, num horizonte de 30 anos.

Ao mesmo tempo, as políticas públicas aliadas das comunidades, tendo como centro a valorização do próprio espaço comunitário local para a solução dos problemas daquela comunidade em questão, poderia ser uma boa iniciativa para coibir as tentativas dos traficantes de ‘dominar a área’. Isso, infelizmente, dá muito trabalho e nossa sociedade prefere dizer que o ‘poder público é omisso’.


Enquanto isso, varremos para debaixo do tapete os horrores da omissão, que é nossa. E colocamos nas manchetes dos jornais que lá em José de Anchieta traficantes mataram mais um. “Ah que violência absurda! Secretário Rodney, que absurdo!”  - e por aí vai.

O problema não é que as drogas sejam ilegais: o problema é que não queremos ter o trabalho de educar. Custa tempo/dinheiro/emoção/amor, bens escassos na era do século XXI, pobres de nós todos.

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